👋 Olá, aqui é o Sulivan Santiago, CPTO da Lincon. Na minha caminhada ajudei milhares de empreendedores e intraempreendedores a lançarem seus produtos no mercado. Esta newsletter é um compilado de insights, análises, conteúdo e minhas próprias loucuras na jornada de zero a um.
Eu estava viajando a trabalho na época pela IBM para uma conferência em Orlando. Era minha primeira vez no exterior, eu estava super animado. A viagem foi super longa, eu estava exausto quando cheguei. Tudo que eu queria era um banho quente e uma boa noite de sono para estar 100% no dia seguinte. Ao entrar no banheiro me deparo com o registro abaixo. Bem, é diferente dos que geralmente temos no Brasil. Contudo, não me pareceu algo de outro mundo. Ok, hora de tomar banho. O que eu fiz? Girei!
Girei, e girei, e girei… girei para um lado, girei para o outro e nada de água. Não estava acreditando naquilo, o mínimo para se liberar um quarto para um hóspede e ter um chuveiro funcionando! Eu fiquei super irritado. Liguei na recepção e pedi manutenção urgente. De nada adiantou, infelizmente o serviço só estaria disponível no dia seguinte às 7 am. Naquela noite tomei um belíssimo banho de baldinho da água da torneira (#perrengueChique).
No outro dia eu acordei já pensando no maldito chuveiro que não funcionava. Liguei na recepção para me trocarem de quarto ou enviarem o time de manutenção. A pessoa ao telefone percebeu o quanto eu estava nervoso e muito calmamente disse: "Senhor, desculpe por isso. Já tentou puxar o registro?”. Eu fiquei mudo por alguns segundos, não acreditando no que eu estava ouvindo. Eu disse, “me dá um minuto por favor”. Fui ao banheiro, puxei o registro em minha direção e a água jorrou. Girei para esquerda e logo obtive água quente. Eu estava incrédulo com o que aconteceu. Como assim eu não consegui mexer em um registro de água?!
A resposta é fácil, design. O design do registro parte da premissa que eu tenho conhecimento prévio de como suas funções operam. E infelizmente eu não tinha este contexto. Não me recordo de nenhum momento na minha história de vida onde precisei puxar, em minha direção, um registro para ligar um chuveiro. Eu tenho certeza que as pessoas por trás deste design não queriam ferrar com a minha vida naquele dia. Então, o que aconteceu aqui?
Leonardo da Vinci certa vez disse (embora não comprovado):
"A simplicidade é o mais alto grau de sofisticação".
Se a simplicidade é alguma coisa, e neste caso é sofisticação, o que significa sofisticação? No dicionário encontramos que é a sutileza excessiva, excesso de requinte, refinamento excessivo, aparelhado. Isto é, sofisticação é esconder a complexidade.
Estive meditando por um bom tempo nisso e não encontrei na sofisticação o verdadeiro princípio que define simplicidade. Por exemplo, se eu esconder demais a complexidade eu posso acabar retirando a utilidade de alguma coisa ou gerando outros problemas. Por exemplo, o magic mouse da Apple é elegante e minimalista. Entretanto, fica inutilizável quando é preciso ser recarregado.
Não podemos dizer que simplicidade é sobre esconder as coisas. Existe um momento na jornada que a redução deliberada de funcionalidades (lê-se complexidades) trás rendimentos decrescentes à experiência e o uso do produto. O que você acha que aconteceria se eu pedisse para minha mãe, no controle mais minimalista do mundo, colocar o filme no mudo?
Com certeza não seria uma tarefa fácil, a experiência dela é com controles mais tradicionais. “Cadê o botão de mudo?”, ela perguntaria. A super simplificação da remoção do botão de mudo do controle transfere a responsabilidade do saber do produto para o usuário. Neste caso, não é uma boa decisão. Não é à toa que a Apple aprendeu a lição e sua última geração de controles “complicou” a interface em 85%. Saiu de 7 botões para 13:
Percebe a dicotomia? Para tornar o controle mais simples foi necessário “complicar”. Eu gosto muito do tweet (ou seria um X ?!) do fundador da The Knowledge Project sobre simplicidade:
Leia o tweet acima duas vezes. Isso é forte! Um produto 10x mais simples não quer dizer que resolva um problema 10x melhor. É preciso colocar em contexto. Suponha que queremos pintar uma parede da nossa casa. A solução mais simples possível é um pincel ou rolo. Funciona perfeitamente para qualquer pessoa. É fácil de entender e de manipular.
Entretanto, já não é o produto mais simples se formos pintar a casa inteira porque levaria muito tempo com alto esforço. Para resolver o problema o ideal seria contratar mais pessoas. O problema é que custa caro e geraria mais trabalho de gestão (contato, avaliação, pagamento e etc) e coordenação de trabalho (por onde começar e etc). Nesse caso, a melhor solução seria uma máquina para pintura. Ela é aparentemente mais complexa porque requer treinamento, ferramentas e habilidades diferentes. Não é todo mundo que consegue operar com facilidade. São vários botões, tem peso, tem ajustes... Agora, é o produto mais simples para o problema em contexto (pintura da casa) e para uma pessoa treinada.
Como definir simplicidade no produto?
Vamos começar pelo que não é:
Não é apenas usabilidade ou redução cognitiva
Não é apenas redução na curva de aprendizado e adoção
Não é apenas ser minimalista e bonito aos olhos
Não é apenas produto
Simplicidade é um estado. Logo, é preciso colocá-la sob um contexto. Como eu sou super fã de olhar as coisas por princípio eu cheguei na observação que simplicidade é definida pelo conjunto de funções essenciais (produto) para uma persona em questão (pessoa) em uma certa circunstância/problema específico (problema).
Simplicidade é melhor definida sob as lentes dos 3P’s.
Problema→Pessoa→Produto
Para exemplificar, vamos ainda considerar controles remotos. Olhando de forma simplista, básica e superficial, o controle da esquerda é melhor que o da direita no atributo simplicidade. O da esquerda tem baixa densidade de funções, aparenta ter uma curva de aprendizado mais fácil e design agradável. O da direita? Aparentemente caótico, denso e complexo. Será que aplicando a ótica dos 3P’s o controle da esquerda seria melhor?
Vamos considerar dois cenários hipotéticos e simplificados. No primeiro, é uma persona de 65 anos, que não tem muito contato com tecnologia e adora TV de canal aberto. No segundo caso, uma pessoa jovem, super conectada com tecnologia e que adora séries. Veja como o produto já é a melhor versão, simplificada, para cada pessoa e problema:
É muito mais fácil encontrar um canal em TV aberta digitando os números (quando se sabe, claro). Entretanto, seriam inúteis para uma busca de série, onde o título precisaria ser digitado. Logo, o controle com comando de voz é a melhor alternativa para o contexto apresentado! É importante entender que este é apenas um caso de uso como exemplo. No mundo real temos uma variedade de usuários, diferentes arquétipos, que precisamos considerar na análise da simplicidade na amplitude de possíveis cenários (veja o fracasso do controle da Apple sendo usado no escuro). O ideal é que o produto abrace as principais personas da solução nas principais situações. O trade-off de funcionalidades será uma discussão intensa 😉.
O contrário também é possível. Ou seja, a busca de forma intencional pela complexidade. A simplicidade pode ser retirada literalmente por design quando a complexidade gera valor! Exemplos:
Games são feitos para serem complexos para seu público alvo em questão. Quanto maior o desafio, melhor.
Aviação é outro caso. A quantidade de botões disponíveis, informações e instrumentos não são utilizados em sua plenitude para um voo. Agora, em casos de crises são estes instrumentos que podem lançar luz no que está acontecendo e permitir uma rápida solução. Aqui, a disponibilidade da informação é o valor;
Quando complexidade é modelo de negócio: Um caso super curioso também de anti-simplicidade é o caso do McDonald’s e sua fornecedora de máquinas de sorvete (veja o caso bizarro aqui [material em inglês]). Sério, se tiver alguns minutos eu super recomendo. Vai explodir sua cabeça.
Dá para perceber que simplicidade não pode ser algo só visto pelo design e estética. Vai além disso. Lembre-se, 3Ps (Problema→Pessoa→Produto). Para finalizar, não deixe esse conhecimento ficar na gaveta. Provoque esse assunto na sua empresa ou unidade. Convoque uma reunião e coloque em pauta essa visão. Só o fato de estar ciente desse modelo mental já coloca você em outro patamar de jogo. O importante é se mover, seja para simplificar ou complicar. Seja intencional e proposital na procura pela simplicidade.
Até a próxima 👋
Um agradecimento especial ao Leonardo Souza e ao Paulo Coimbra pela revisão do texto.
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Leituras recomendadas:
As Leis da Simplicidade: Vida, Negócios, Tecnologia, Design por John Maeda
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