Destruição como Alavanca de Crescimento
Product Ride #16: O Papel Vital da Destruição Positiva em Produtos
No momento em que escrevo este texto, estou morando nos EUA, mais especificamente em Denver, no estado do Colorado, um dos principais destinos para quem deseja esquiar. Nesta região estão cidades incríveis como Aspen, Vail e Breckenridge, as preferidas para o esporte.
Apenas para ter uma ideia, Vail e Breckenridge recebem mais de 1,5 milhão de visitantes. Com tanta gente, dá para imaginar quão complexa é a gestão de um resort de esqui. Toda a operação é simplesmente colossal, passando pela gestão de tráfego, estacionamento, hotelaria, restaurantes, lojas (compra/aluguel de equipamentos), instalações (banheiros, áreas comuns, etc.), construção e preparação das pistas, operação e manutenção dos elevadores/esteiras, dentre vários outros.
No entanto, a área mais importante de todas é também a menos conhecida ou vista: a Unidade de Controle de Avalanches. Avalanches matam mais pessoas em florestas nacionais nos EUA do que qualquer outro risco natural: todo ano, entre 25 a 30 pessoas morrem por sua causa. Mas, acredite, este número seria bem maior se não fosse a ciência por trás do controle de avalanches.
Assim como a escala Richter está para terremotos, a avalanche também possui seus níveis de risco. A missão da unidade de controle é a análise e contenção deles. Ou seja, é garantir que, na medida das ferramentas disponíveis e do comportamento do clima, o risco jamais seja alto nas áreas comuns de esqui. Caso contrário, ou seja, se a natureza for mais forte do que as ferramentas de controle, a missão da unidade é comunicar que a área deve ser evitada e fechada para o dia em questão (há um documentário no Netflix que conta a história de um desastre que se encaixa exatamente nesse caso).
Para a contenção e controle de avalanches são utilizadas algumas ferramentas curiosas:
Bombardear a montanha com explosivos de gás (o que é legal porque não deixa destroços na montanha)
Insight rápido: Reparou como as ferramentas acima não são triviais? Alguns dos maiores feitos na história surgiram de pensadores não convencionais que não tinham medo de desafiar a norma.
Fato interessante disto tudo é como resorts de esqui lidam com a construção e a destruição todos os dias, dispondo de ferramentas para construir e preparar as pistas("grooming"), e também de ferramentas para a destruição de avalanches, a fim de deixar o local seguro para a prática de esportes.
Um resort não difere da unidade de um produto. O resort tem especialistas, e Produto também. O resort tem clientes, e Produto também. Resort tem rotinas e processos, Produto também. Resort tem features (lojas, restaurantes, estacionamento…), Produto também. Resort constrói, Produto também. Resort destrói, e Produto?
Não pensamos muito no papel da destruição em nosso dia a dia. Afinal, ela ativa imediatamente nossos mecanismos básicos de sobrevivência e proteção, e, portanto, lembraremos imediatamente da dor, o que a faz ser algo desagradável. No entanto, assim como é o caso da Unidade de Controle de Avalanches, também devemos ter uma cadência e um olhar pró-ativo para a destruição.
Claro, só precisamos resignificá-la. É uma destruição criativa e positiva, que mantém as coisas em um estado melhor e caminho seguro para os clientes e empresas. Fico me perguntando: “Qual foi a última vez que destruímos ou repensamos uma feature, um serviço, uma experiência, uma jornada, um processo, uma documentação e por aí vai?
É desafiador, polêmico, assustador? Sim, mas a história está repleta de casos de sucesso baseados em algum tipo de destruição:
Netflix: originalmente, o seu principal negócio era o aluguel de DVDs e envio pelos correios. No entanto, com o surgimento da tecnologia de streaming, a Netflix reconheceu que precisaria se adaptar para permanecer relevante no mercado. A empresa tomou a decisão ousada de investir massivamente em conteúdo original e tecnologia de streaming, “destruindo” seu negócio de aluguel de DVDs. Essa foi uma jogada arriscada, mas bem sucedida, e hoje a Netflix é um dos principais serviços de streaming do mundo, com milhões de assinantes.
Apple: em 1997, tomou a decisão ousada de trazer de volta o seu cofundador, Steve Jobs, como CEO interino. Jobs imediatamente começou a reinventar a Apple, a partir do lançamento do iMac em 1998. Também tomou a decisão polêmica de “destruír” muitos dos produtos existentes e focar em uma linha menor e mais selecionada de produtos. Isso incluiu o fim do Newton, o assistente digital pessoal portátil da Apple, e a saída do ramo de impressoras. Essas ações não foram populares na época, mas permitiram que a Apple concentrasse seus recursos nos produtos que acabariam impulsionando seu ressurgimento, como o iPod, iPhone e MacBook.
IBM: já foi um player dominante no mercado de hardware de computadores, mas ao se voltar para computadores pessoais e outras tecnologias, seus negócios começaram a declinar. No início da década de 90, a empresa tomou a difícil decisão de sair do mercado de computadores pessoais e focar na oferta de softwares e serviços, o que envolveu a demissão de milhares de funcionários e a “destruição” de uma grande parte de sua infraestrutura original. No entanto, esse movimento permitiu à IBM se reinventar e se tornar líder no campo emergente da computação empresarial.
Lincon (minha startup): nosso negócio tinha como objetivo endereçar problemas diversos relacionados a doenças crônicas, em especial diabetes tipo 2 e hipertensão. A solução era composta por um time multidisciplinar de saúde que entregava cuidado via aplicativo, tudo de forma coordenada e customizada. Entretanto, mais à frente, aprendemos que muitos clientes gostariam de oferecer a coordenação de cuidado com time deles, e não da Lincon, usando nossa tecnologia como meio. Desta forma, entendemos o movimento de mercado e declaramos um pivot importante: “destruir" o produto como foi originalmente concebido. Hoje, vendemos nossa tecnologia como um SaaS (software as a service) e sua receita já representa 75% do faturamento total.
Destruir não é ficar inutilizável! Neste caso o ato da subtração implica em uma soma. Destruir, de maneira inteligente e estratégica, é construir.
Um padrão que podemos observar acima é que as empresas se moveram quando perceberam que estavam sob ameaça e/ou existia uma janela de oportunidade. Imagine o poder que isso não teria se fosse praticado de forma deliberada e pró-ativa?
Minha sugestão é que possamos incluir uma rotina de "Destruição Positiva” em produtos. Seja uma cadência trimestral, semestral ou anual, pense em reunir sua equipe para entender onde há oportunidades. Alguns tópicos que podem trazer oportunidade para o debate seriam:
Que processos não são revistos por algum tempo? Por exemplo, qual foi a última vez que você revisitou a jornada do seu usuário de ponta a ponta com um olhar de “primeiro contato” com produto?
Quais funcionalidades do produto foram implementadas há algum tempo, mas não estão alinhadas com as necessidades atuais do mercado ou dos usuários?
Que tecnologias abrem novas oportunidades para solucionar um problema antigo de forma mais eficiente?
Que aspectos da infraestrutura do produto podem ser modernizados para melhorar a escalabilidade, a segurança ou a facilidade de manutenção?
Existem novos comportamentos nas personas que mudam e redefinem o conceito de proposta de valor do produto?
Existem novas estruturas organizacionais mais eficazes para entregar o trabalho?
Assim como as empresas aqui mencionadas souberam destruir modelos antigos para construir algo novo e bem-sucedido, a prática desta "destruição positiva" na gestão de produtos emerge como uma estratégia inteligente.
Incorporar uma rotina deliberada e organizada de revisão e possível destruição/construção de processos, funcionalidades e tecnologias permite identificar oportunidades e manter-se à frente em mercados dinâmicos, redefinindo continuamente a proposta de valor do produto.
Um agradecimento super especial para as pessoas que me ajudaram com a revisão do texto:
Fernando Pinheiro: Enterprise Agile Coach
Vinícius Lima: Product Manager
Anthony Souza: Product Onwer & Business Analyst
Arthur Castro: Head de Produto e Founder do Product Arena
Lucas Soares: Product Lead
Sulivan Santiago (sobre mim)
Vamos nos conectar pelo LinkedIn
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Texto muuuuito bom!