Fadiga por Decisão, PoLR e Coeficiente de Fricção
Product Ride #9 - O que a física dos planos inclinados pode nos ensinar sobre produtos
👋 Olá, aqui é o Sulivan Santiago, CTO da Lincon. Na minha caminhada ajudei milhares de empreendedores e intraempreendedores a lançarem seus produtos no mercado. Esta newsletter é um compilado de insights, análises, conteúdo e minhas próprias loucuras na jornada de zero a um.
A todo instante a mente está calculando e decidindo se executa tarefa x ou y. Será que respondo esta mensagem agora ou depois? Trabalho nisso ou naquilo? O volume de decisões que fazemos é espantoso. Segundo este artigo são aproximadamente 35.000 decisões diárias. Haja energia! E como energia não é infinita nosso sistema entra em fadiga. O termo técnico para isto se chama Fadiga por Decisão.
Um estudo feito por pesquisadores nos EUA mensurou como a quantidade de decisões que tomamos no dia a dia impacta a capacidade de persistir e performar em tarefas. E não apenas isso, identificou também como ela altera o nível de tolerância à dor.
Os resultados do estudo estão resumidos na tabela abaixo. A coluna Choice Condition representa as pessoas que passaram por muitas escolhas antes de executar determinada tarefa proposta pelo experimento (Dependent Variable). De forma oposta, a coluna No Choice Condition são aquelas que não passaram por tarefas intensas de escolha.
Por exemplo, observe a primeira linha, o experimento 2. Ele é sobre quanto tempo as pessoas conseguiram ficar com um braço mergulhado em água congelante após ter passado ou não por intensos momentos de decisão.
Os números da tabela são médias e desvios padrões (em parênteses). Quanto maior o número, melhor o autocontrole (desempenho e performance em tarefas e tolerância à dor). Observe como o número foi bem melhor nas pessoas que não passaram por intensos momentos de decisão.
O que podemos concluir é que:
Se há muita energia disponível, devido ao baixo número de decisões intensas, então explorar tarefas mais difíceis e complexas não será um problema. Ou seja, falando de uma outra forma, explorar caminhos de maior resistência não será um desafio. Chamo este caso de PoGR, path of greatest resistance;
Se há pouca energia, devido ao alto número de decisões intensas, então o caminho preferível será o de menor resistência. Chamo de PoLR, path of least resistance.
Para tentar deixar mais ilustrativo o que eu quero dizer, vamos pegar a água como exemplo. Em grande parte, ela tende a percorrer o caminho de menor resistência (PoLR), mas se houver momentum (força/energia), ela ignora o que está na sua frente e ataca qualquer obstáculo, seja difícil ou fácil (PoGR). Pense em um rio, ele percorre o caminho de menor resistência (o fluxo traçado em terra). Mas, se houver uma enchente (aumento de energia), ele ignora o traçado e se espalha por todos os lados.
Trazendo para o contexto de produto
No momento que interagimos com qualquer produto nosso estado de energia pode estar em modo PoGR (muita energia) ou PoLR (pouca energia). O desafio está nas pessoas em estado PoLR. Como podemos reduzir a fricção a tal ponto delas conseguirem consumir/utilizar nossos produtos? Como reduzir o abandono? Como aumentar a persistência e engajamento?
Cada pergunta acima poderia ser respondida com uma disciplina específica, como por exemplo UX. Mas não é sobre isso apenas. Como observar a questão com um melhor modelo mental, de forma estratégica, de cima, a 10.000 pés?
Cheguei à conclusão que a física tem a resposta. Desejo as boas vindas ao mundo dos planos inclinados.
(🎵 música de abertura do desenho Rick & Morty)
❤️ Para manter o artigo leve e nossa atenção focada aqui, irei pular os cálculos matemáticos e a trigonometria envolvida que justifica o modelo mental. Porém, se você curte o tema assista este vídeo aqui (em inglês).
Começando pela física básica, observe a imagem (1) abaixo.
É um objeto em um plano horizontal, completamente imóvel. O peso do objeto (m) somando-se a força da gravidade (g) empurram o objeto para baixo. Obviamente, como o objeto não afunda no plano e também não flutua, significa que a força Normal (força contrária) é o resultado oposto da massa vezes a gravidade. Portanto, as forças estão em completo equilíbrio.
O que podemos fazer para colocar este objeto em movimento? Veja a imagem (2) a seguir:
As setas vermelhas indicam os 3 elementos que podemos exercer ação:
Reduzir a Fricção (resistência)
Aumentar a Inclinação
Aumentar a Aceleração
Vamos endereçar cada um deles sob uma ótica de produto ao longo da nossa jornada. Nesse artigo, começaremos pelo primeiro tópico.
1. Reduzir a Fricção
Aqui o que importa é calcular e gerenciar o coeficiente de fricção. Quanto maior o atrito, mais difícil será fazer o objeto deslizar em um plano (ainda que esteja inclinado). Portanto, é preciso reduzir ao máximo o atrito sem abrir mão de pilares que são importantes ( como por exemplo, reduzir a segurança de compra de um e-commerce pulando etapas de anti-fraude). O coeficiente de fricção é uma razão do tempo para obter o valor do seu produto dividido pela quantidade de passos necessários:
Fricção (ratio) = tempo para valor / qtd de passos
Veja um exemplo aplicado à diferentes tipos de solução para saciar a fome:
Obs: Os parâmetros são arbitrários e baseados em um achismo meu. Uma análise mais profunda de alguém da indústria poderia facilmente mudar os valores dessa tabela.
Para montar esta análise eu sugiro que faça não apenas o mapeamento dos touch points do seu cliente com o produto (a ferramenta Design de Serviços pode ajudar bastante aqui) mas também observar o que vem antes ou depois na cadeia de valor. Envolva na discussão o time de negócios, operação, design e tecnologia.
O próximo passo é estressar, de forma criativa, o que pode ser reduzido assim como também verificar maneiras de encurtar o tempo para obter valor (time to value).
Como avaliar se o coeficiente está alto ou baixo? Cada cadeia de valor ou solução terá seu próprio parâmetro. Então o ideal é olhar para o que há de melhor no mercado e traçar dali uma linha na areia como ponto de partida.
Outra abordagem interessante é mudar o terreno. É como mudar de um carpete para um piso liso, as coisas tendem a fluir/deslizar melhor. No contexto de produto isso pode significar muitas coisas (tipo de cliente, preço e etc), no fim do dia o que queremos é mudar o ambiente.
Na Lincon temos um caso curioso. Nosso produto tem diferentes tipos de cliente, mas cada um com sua particularidade e sensibilidade à dor. Para decidir nosso terreno de menor fricção colocamos todos eles debaixo dessa análise:
Tamanho do mercado (em # de usuários)
Fit com a nossa proposta de valor
Dores/Fit com a nossa solução
Propensão a gastar (ótica da empresa)
Facilidade em vender
Concentração de mercado
Acesso ao mercado
Atratividade do segmento em geral
LTV (quem tem o maior?)
Ciclo de vendas (longo, curto)
No final saímos com um score e com o cliente ideal para focar (claro, houveram experimentos também para comprovar nossa tese).
Vou ficando por aqui. Te encontro no próximo artigo onde continuaremos abordando o assunto.
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